A gestão de pessoas tem passado por diversas mudanças impulsionadas pela inteligência artificial e novas tecnologias e isso não deve parar até 2030. Este cenário altera as expectativas de crescimento dos negócios, que buscam mais receita sem, muitas vezes, aumentar o headcount.
O RH, nesse contexto, tem papel fundamental: é dele a responsabilidade de liderar a mudança e capacitar pessoas e times nessa nova jornada.
Esses e muitos outros aprendizados foram debatidos no Gartner HR Symposium, evento que reuniu centenas de CHROs em Orlando. Marcela Ziliotto, líder de pessoas da Pipo, esteve no evento e conta, neste artigo, os principais insights e acionáveis do evento para lideranças de RH.
Vamos lá?
Mudando o foco da gestão de trabalho: do 'workforce' para o 'work'
Uma das principais mensagens do evento foi bem clara: o RH precisa mudar seu foco.
Com a pressão dos CEOs por crescimento de receita sem aumento de headcount, não é mais suficiente apenas gerenciar as pessoas. O verdadeiro desafio estratégico, e a maior oportunidade, é liderar a transformação de como o trabalho é feito.
Afinal, dados do Gartner mostram que empresas que conseguem redesenhar o trabalho têm o dobro de probabilidade de bater suas metas de receita. O RH deve, portanto, assumir o papel de líder dessa mudança, que já está ocorrendo em três frentes simultâneas:
- Aumentar (augment): Melhorar o trabalho existente adicionando IA nos fluxos atuais. O desafio aqui não é a adoção da ferramenta, mas guiar os colaboradores sobre onde ela agrega valor ao negócio.
- Reengenharia (reengineer): Redesenhar fluxos e funções para que a inteligência artificial lide com a maioria das tarefas. O RH deve mitigar os "efeitos cascata" dessa abordagem, como a atrofia de habilidades e o esvaziamento do pipeline de talentos.
- Inventar (invent): Criar formas de trabalho inteiramente novas, baseadas no potencial da IA.
Como fica a relação humano-máquina no trabalho?
O evento também discutiu como a IA generativa está criando mais do que soluções de negócios: ela está construindo relacionamentos. E, neste contexto, os CHROs precisam dominar os resultados comportamentais dessa nova interação, um domínio que, segundo o evento, ainda é negligenciado.
A relação entre humanos e máquinas está se tornando imediata e com impactos cognitivos e emocionais. O ser humano responde às máquinas conversacionais com todo o espectro de emoções, incluindo amor ou ciúmes.
Um dos riscos discutidos é a "delegação acidental de decisão". Quando um líder posiciona a IA como autoridade (por exemplo, questionando "Por que você não fez o que a IA disse?"), ele incentiva esse comportamento. No entanto, vale reforçar que embora a IA sugira a ação, a responsabilidade e a prestação de contas permanecem humanas.
Para gerenciar este possível conflito, o RH deve avaliar cada caso de uso de IA com base em três dimensões:
- Profundidade (depth): O quão superficial ou íntima é a interação.
- Duração (duration): Se o relacionamento é transacional ou sustentado ao longo do tempo.
- Dependência (dependence): O grau de confiança ou dependência do usuário no sistema.
Quais são as tendências que devem redefir a gestão de talentos?
Os modelos de trabalho têm mudado bastante nos últimos anos parte impulsionadas pela pandemia, parte pelas novas tecnologias.
Por isso, o RH precisa redesenhar, de forma proativa, a própria estratégia de talentos para o futuro. Mais do que reagir, ele precisa antecipar como a estrutura das equipes vai mudar.
As discussões do Gartner HR Symposium apontaram quatro tendências que não são mais projeções distantes, mas demandas imediatas para alinhar a força de trabalho à visão do CEO e à nova realidade impulsionada pela IA:
- Declínio de funções de nível inicial: A IA está transformando a estrutura de talentos de uma "pirâmide" para um "diamante", eliminando muitas funções de entrada. Com o ROI de novos talentos reduzido (72% deixam a empresa em dois anos), o RH deve investir em desenvolvimento acelerado e mobilidade interna.
- Recrutamento interno é urgente: A IA deslocará milhões de trabalhadores globalmente até 2030. O RH deve realocar sua capacidade de recrutamento para dentro, aproveitando dados internos como vantagem sobre currículos externos.
- O conceito de retenção lamentável: Cerca de 24% dos colaboradores relatam produtividade 20% abaixo da média. Este grupo de baixa produtividade, muitas vezes não procurando outro emprego, é negligenciado. O RH deve reformular os planos de melhoria de desempenho (GD) para este grupo.
- Transformação da Gestão de Desempenho (GD): O processo atual de GD é visto como ineficaz. 94% dos gerentes já usam IA (sem treinamento formal) para rascunhar avaliações ou determinar classificações. O RH deve fornecer orientação imediata e ferramentas seguras.
O papel do CHRO de 2030 e a execução da estratégia
Para liderar essa agenda, o papel do CHRO também vai se transformar, junto com o restante do RH, que deve evoluir de reativa para geradora de valor.
A expectativa apresentada é que 60% das tarefas de trabalho de RH sejam feitas ou facilitadas por agentes de IA até 2030. Isso deve liberar os profissionais de RH de tarefas administrativas para se concentrarem em coaching, por exemplo, e análise estratégica.
Um dos desafios para a execução é a comunicação da liderança, que enfrenta uma crise de credibilidade: apenas 20% dos colaboradores consideraram úteis as comunicações executivas que receberam. Para isso, eles apresentaram um framework focado em superar a "economia da distração", formado por "3 Cs":
- Clareza: Evitar o "vazio narrativo" e explicar como as decisões são tomadas.
- Contexto: Empoderar a média gerência para traduzir a narrativa corporativa para suas equipes.
- Convicção: Promover o diálogo franco e vulnerável, como sessões de "Ask Me Anything" (AMA).
A cultura como motor de inovação e resiliência
Em um ambiente de transformação acelerada, a chamada "fadiga de mudança" é um fator real e um dos maiores desafios do RH.
Os dados do evento mostram que a barra é alta: apenas 50% dos CHROs se sentem confiantes em alcançar suas metas de mudança. Essa exaustão generalizada ajuda a explicar por que muitos CEOs citam a cultura como uma das principais barreiras ao crescimento.
No entanto, as discussões inverteram essa visão. A cultura não é o bloqueio, ela é o catalisador que permite à organização absorver a mudança e, ao mesmo tempo, inovar. O evento destacou que a inclusão é o motor cultural que desbloqueia as três essências do crescimento: abertura, tomada de risco e motivação.
Para o RH, o desafio é construir ativamente a resiliência da organização e fomentar um ambiente onde a segurança psicológica permita a inovação. E, para isso, eles apresentaram um framework focado nos “3 Rs”:
- Remover a desordem (Remove the Clutter): Eliminar tarefas e reuniões redundantes para criar capacidade sustentável.
- Reforçar o que importa agora (Reinforce What Matters Now): Focar em ações imediatas e tangíveis, em vez de visões de longo prazo.
- Reenquadrar a incerteza como oportunidade (Reframe Uncertainty as Opportunity): Usar o mapeamento de oportunidades para transformar o medo ("Meu papel será obsoleto") em planos de ação concretos.
No geral, é preciso reforçar que para gerar inovação, é preciso criar segurança psicológica para a tomada de risco inteligente. O framework 90-10, por exemplo, permite que equipes experimentem autonomamente (90% das decisões) se a falha for fácil de reverter e de baixo custo.
O reconhecimento também deve evoluir, valorizando a tentativa audaciosa e bem fundamentada, mesmo que não seja bem-sucedida, o "Dare to Try Award".
Conclusão
O Gartner HR Symposium reforçou que o RH não é mais uma peça na transformação digital, mas sim o líder estratégico. A era da IA exige que a função pivote do gerenciamento do workforce para o redesenho do work, entendendo a relação comportamental entre humanos e máquinas.
Para as lideranças de RH, o desafio é equilibrar a adoção tecnológica com a resiliência humana, transformando a cultura, a comunicação e o desenvolvimento de líderes para sustentar o crescimento futuro.
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